20
jul/11
Meu amigo, meu herói ©

Amigo,
Você sabe que gosto muito de gente, mas sabe também que tenho um temperamento introvertido. É por isso que tenho poucos – e bons – amigos. Nossa amizade vem de longe. A precariedade da foto que eu e você (D) dividimos acima, de muito antes da altíssima definição das câmeras digitais, revela o tempo de nossa amizade e revela um tempo em que éramos alegres e jovens. Continuo alegre, mas menos jovem. Você continua jovem, mas menos alegre.
Sinto que a tristeza que você carrega veio da infância profunda, sofrida, cercada de privações. Vejo-o menino numa foto antiga, ao lado do caixão da avó. Mesmo de perfil, dá pra ver o tamanho da sua tristeza. Hoje, além da avó, pesa-lhe no coração a perda de duas tias, uma prima e um sobrinho. Se é verdade que você é triste, não deixa de ser verdade que, quando algo ou alguém põe o sol de um sorriso no seu rosto, você tem o mais iluminado dos sorrisos. Quando o vejo sorrir de um jeito tão iluminado, tenho a tentação de perguntar: onde a tristeza, essa senhora?
Admiro em você, além da beleza, a fidalguia de alma, o coração generoso e o dom de cuidar. Impressiona o zelo com que você cuida da mãe, da casa, de três cachorros – e de quem mais chegar. O resultado é um quase descuidar-se de si.
Desconfio que ter nascido pisciano influiu no fato de você nadar com desenvoltura nas águas da palavra. Me espanta a acuidade com que você, lendo, vai às minúcias do entredito e, escrevendo, vai às funduras do entrevisto. O resultado dessa aguçada atenção para os desvãos da alma humana é uma compreensão sangrada de tudo. E por isso você tem um olhar desencantado para o humano – mas sem perder a poesia jamais.
Reparo desde sempre sua vocação para explorar alturas e funduras. Penso que isso pode ser um desígnio traçado pelo seu próprio nome, Marcelo – um elo entre mar e céu. Ávido de infinito, você sofre a danação de ser um peixe tentando corrigir o mar, um pássaro tentando corrigir o céu. E por tamanha ambição, certamente fadada ao malogro, você sofre – sofre pelos desacertos do mundo e pelos desatinos dos humanos.
O que disse de você, meu amigo, é quase nada. Para dizer tudo, só mesmo estas palavras do encantado e mais-que-humano Guimarães Rosa: “Amigo, para mim, é só isto: é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase: e os todos sacrifícios. Ou – amigo – é que a gente seja, mas sem precisar de saber o porquê é que é”.
Mais não digo.
© Nota de canapé: Linda canção do Gilberto Gil, sucesso na voz de Zizi Possi. A interpretação de Zizi pode ser ouvida aqui.