Uma amizade sincera ©
Categoria: Literatura

Hoje é o aniversário de uma querida amiga de quem apenas mencionei o nome no primeiro post do blog. Autorizado por uma amizade que vem de longe – onze anos já –, segue um breve retrato falhado que dela fiz, salpicado, aqui e ali, de inocentes leviandades que só os muito amigos podem cometer. Sendo um retrato falhado, ele não poderia deixar de ser ligeiramente infiel. E sendo a amizade sincera, como é o caso, ela resiste a quaisquer infidelidades. Ao retrato:

Minha querida amiga Lúcia é uma geminiana considerante, sempre atenta aos ângulos possíveis de uma questão… É terna quase sempre, mas sem perder a dureza jamais. Em momentos de Ira (com maiúscula, sim senhor!), funciona em linha reta: fulmina certeira e zen perdão o inadvertido. Não poupa nem mesmo quem se presume imune por conta de longa amizade – que o diga um certo amigo. De volta à curva generosa da compreensão, costuma arrepender-se de seus já famosos rompantes de impaciência. Adepta da meditação diária, ostenta a marca de três retiros de meditação vipassana, uma senhora prova de resistência e paciência que dura, cada qual, nada menos que dez dias. Os resultados já se fazem notar, mas não ainda de um modo explícito – é preciso dar tempo ao tempo…

Não tem o chamado espírito prático, o que não a impede de cultivar um certo gosto pela arte culinária e de exibir um certo talento nessa área. Apaixonada pela sétima arte, gosta de se achar no escurinho do cinema. Tem o senso de direção ligeiramente deficitário, não sendo incomum embrenhar-se por caminhos opostos ao do destino, e mesmo sendo Brasília, como se sabe, uma cidade pensada para os desorientados em geral. Não é muito de beber mas, em momentos de descontração, deleita-se com uns goles e uns poucos bastam para deixá-la à deriva, desgovernada, mal se mantendo de pé, e rindo não se sabe de quê… Rir com gosto é uma de suas marcas, com ou sem bebida, e sem prejuízo de sua natureza brava… Ri muito com as abobrinhas de um certo amigo, companheiro de longa jornada… Ri menos dos rompantes narcísicos desse amigo, nunca admitidos como tais. O convívio com esse amigo – pelo tanto de atenção que dela rouba – é bastante para desculpá-la de todos os rompantes de impaciência, passados e futuros. Vista por esse ângulo, aliás, é uma santa.”

© Nota de canapé: Conto de Clarice Lispector que está no livro Felicidade Clandestina. E se você quiser experimentar a felicidade explícita da leitura desse conto, é só clicar aqui (p. 48 a 50).


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