Em trânsito ©
Categoria: Literatura

Quando estou em trânsito, é fatal: fico meio em transe, meio fora de mim. De natureza distraída, qualquer viagem cobra de mim atenção exclusiva. Ou isso ou algum tropeço acaba por acontecer. Se a viagem é longa – como esta aventura de ir à Flip, por exemplo –, padeço de um transe longo, excruciantemente longo. A viagem a Paraty começa no dia 29/jul, no trajeto Uberlândia/Brasília. O pouso numa asa de Brasília tem o propósito de incluir na bagagem cem exemplares de Quase Nada, livro a ser distribuído na Flip. Embora o livro seja Quase Nada, multiplicado por cem fica quase nada leve. No dia 30/jul, vôo marcado para o meio-dia, antes das dez já estou no aeroporto, levado pela preocupação com o check-in. Encaminhando-me para o balcão da companhia, sou direcionado para a fila dos diferenciados por causa das duas caixas de livros. Me livro rápido das caixas e fico mais leve. Mais leve vírgula: a preocupação é de imediato transferida para a chegada no Galeão. Chego pouco antes das duas da tarde. Passo longos e aflitos minutos em volta da esteira à espera das caixas com Quase Nada. E nada. Enquanto espero, reparo no tamanho de algumas malas – que mais parecem contêineres. Quem carrega tamanha bagagem só pode estar de mudança – e para outro planeta –, não em viagem. Ou será que me engano? Nada disso importa. O que importa são as duas caixas que não aparecem. Vou a um atendente e recebo a cândida informação de que a restituição de caixas não é feita via esteira – e o procedimento só é informado quando da reclamação do usuário. Mas para quem já esperava pela notícia do extravio, recebo com alívio a informação. Aí é correr para o táxi. De cara, um guichê com o chamariz: táxi credenciado, ou algo assim. Com receio de me arriscar nos amarelinhos convencionais, compro o bilhete para a rodoviária e descubro, numa conversa casual, ter pago um valor bem mais alto. É o preço da pressa de querer chegar o mais rápido à rodoviária. Chego e corro para o balcão da empresa Costa Verde. Duas e pouco da tarde, o próximo ônibus para Paraty só às 16h10. Fazer o quê? Antes de sair, dou uma conferida rápida no bilhete e percebo que o horário indicado é 14h10. Questiono o atendente, que descobre ter cometido um erro. O próximo horário seria às 18h. Desespero-me. Ele, condoído de mim, diz que vai tentar me encaixar no horário das 16h10, a depender de alguma desistência. Fico aos cuidados do encarregado pelo embarque. Fim do embarque, surge, milagrosamente, uma desistência e sou chamado às pressas pelo encarregado. O ônibus já manobrando para dar lugar ao próximo, e eu correndo para alcançá-lo um pouco adiante – eu, uma mala, duas bolsas e duas caixas de livros – para o transporte das caixas, valho-me de um suporte com rodinhas mais que providencial. O sufoco terminaria aqui, não fosse a preocupação com os livros no bagageiro – curvas e mais curvas pelo caminho. A cada curva mais acentuada, o receio: as caixas vão tombar, vão se rasgar (foram bastante avariadas durante o vôo), os livros vão se espalhar pelo bagageiro, ai meu Deus, que viagem que não termina! Quando termina, sou o primeiro a descer do ônibus para, pastor do meu rebanho de Quase Nada, recolher os livros espalhados. Milagrosamente, os livros estão todos quietinhos no seu ninho. Ô alívio! Depois dessa odisséia de um dia inteiro, posso, enfim, relaxar e dizer, cheio de cansaço e saudades: Paraty, voltei! Da estada em Paraty conto depois – só para ti. E da viagem de volta ao ninho, hoje, não conto nada, a não ser que, tendo durado o mesmíssimo tempo da ida, a sensação é de ter durado quase nada – talvez por eu ter voltado cem livros mais leve.

© Nota de canapé: Livro de Adriano Espínola.


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    Marineide Oliveira
    2 de agosto de 2014

    Tarlei querido,
    quero saber tudo, tudinho! Que bom que chegou mais leve!
    Te adoro, menino!
    Adoro seus escritos, os ditos e até os não…
    Beijos.


    Tarlei
    4 de agosto de 2014

    Querida Mari,
    prometo contar tudo, tudinho, cabendo notar que o “tudo, tudinho” é quase nada, afinal foram só dois dias de Flip.
    Bjs,
    Tarlei


    Hilda
    4 de agosto de 2014

    Querido poeta prosaico. Belo texto, de novo. Não é mais novidade… Vais ter de mudar o título: quase tudo! Beijos carinhosos.


    Tarlei
    5 de agosto de 2014

    Querida, adorei o “poeta prosaico”, mais o “prosaico” que o “poeta”. Eu me sinto um cronista — menor. E o poeta Affonso Romano diz que o cronista é um “porta-voz do prosaico”.
    Obrigado, de novo e sempre, pelo elogio — que nunca deixará de me chegar como novidade.
    Bjs,
    Tarlei






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