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mar/14
Senhora ©
Eu com os meus hábitos de pedestre, ela na sua solidão, na sua solidez de senhora bem apanhada, vivendo há anos numa mesma casa. E só conheço de vista a senhora de quem quero falar. Mas falar o quê, se tudo o que sei dela é quase nada, mesmo a “conhecendo” há uns trinta anos? Só o que sei dela é vê-la sentada na varanda de casa, eu passando em caminhada. A senhora mora numa casa espaçosa, bem cuidada, como bem cuidada é a senhora: roupa bacana, batom, unha feita. Nunca a vi que não estivesse sozinha. Será que é viúva? Será que tem irmãos, sobrinhos, filhos, netos? Por um intervalo de quatorze anos fiquei praticamente sem ver a senhora – o tempo em que vivi noutra cidade. Agora que voltamos a ser vizinhos de vida, nossos contatos voltaram a ter a regularidade dos meus hábitos de pedestre e do gosto dela de ficar na varanda de casa. Saberá a senhora que a observo há tanto tempo? Será que a senhora presta atenção em mim? O intervalo de quatorze anos, como é natural, realçou nela os sinais da passagem do tempo. E em mim igualmente mas, não tendo me separado de mim, não dei por nenhuma mudança. Me perturba a certeza de saber da senhora apenas o que vejo – sabendo que é tão pouco o que vejo: uma senhora na varanda de casa, sozinha, vestida como se fora passear, maquiada, unhas cuidadas, vendo a vida passar. Assim por anos a fio. E nada mais.
© Nota de canapé: Romance do escritor José de Alencar (1829-1877).
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19 de março de 2014Tarlei,
Creio que essa senhora sabe muito de você tb.
Tenho uma senhora na minha vida…. e que sabe das pessoas que passam em frente a casa dela… tudo apenas de observar… ela sabe quem é quem, onde trabalha… “esse tá indo pra luta”… “aquele tá vindo da luta”… “esse vai pra escola”… “aquela faz tempo que não passava aqui em frente”….
“mamãe, como a senhora sabe tanto dessas pessoas?”. “como eu sei? eu não sou bronca, eu sei”….
e ela sabe… tem o jeito de observar, captar, colher as informações e, com isso, monta o quebra-cabeças direitinho.
inté.
Tarlei
20 de março de 2014Sim, Edna, a julgar pela esperteza da sua senhora, a “minha” deve saber muito de mim.
Abs,
Tarlei