Cândido ©
Categoria: Literatura
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Tá certo que ostento feições cândidas quase o tempo todo. E sou o tipo que procura ver o lado bom de tudo. Só não pensava ser visto como otimista, com certo ar de Pollyanna. Começou com a querida Almira, dona de uma banca de revistas que freqüento. Um belo dia ela disse que precisava me contar um acontecido que era a minha cara. O acontecido tinha a ver com um certo jeito Pollyanna de alguém que a distinguiu com uma gentileza inesperada. Passou. Outro dia, comentando com um primo sobre uma possível tendência Pollyanna em mim, e na qual eu não acreditava, ele revelou que nunca tinha se dado conta disso, mas, observando bem, eu era o tipo que fazia o jogo do contente. Tenho de confessar que um pouco é verdade. Se faz escuro, eu sempre dou um jeito de enxergar alguma fresta de luz no meio da escuridão. Só acho que otimismo tem limite. Tenho funda consciência do quanto viver é complicado. A questão é que não faço alarde da coisa. Isso é coisa de mim para comigo. Agora veja: não me bastasse ser o equilíbrio em pessoa, eis que me descubro o otimismo em pessoa. Admito que sou otimista, mas um otimista desconfiado, atento, que não se deixa iludir diante dos apelos sedutores do auto-engano. Isso, não. No mais, queira desculpar os rompantes de candura deste escrevente cândido a contragosto.

© Nota de canapé: Livro do francês Voltaire.


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