
04
set/13
V ão ©
Penso que escrever é preencher um vão entre o eu e o mundo, entre o dentro e o fora, entre o que foi e o que virá. Como o vão nunca se preenche, a escrita nunca cessa. É por isso que venho escrevendo sem margens e enchendo de vãs palavras páginas sem fim. No processo de preencher vãos, descobrem-se mais e mais desvãos. O escrevente desassossegado que tenho sido vive cobrindo de palavras os desvãos em que a vida é pródiga. É um desejo vão. Os vãos e desvãos seguirão se multiplicando. As mesmas palavras que cobrem vãos, descobrem outros. Escrever é sem fim. Não há palavra que dê conta de tanto vão. A sina de preencher vãos equivale a cair numa espécie de moto-contínuo. Fecha-se um vão no exato momento em que se é capturado por outro vão. Assim sem fim, até o fim. Porque escrever, mais que cobrir vãos, é escavar mais vãos. Porque escrever, em vez de trazer respostas, pode trazer mais perguntas. Uma resposta pode ser o ponto de partida para outras perguntas. Isso de ficar observando “a vida se vivendo em nós e ao redor de nós” é sem fim – e ultrapassa qualquer entendimento. O mais que fazemos é administrar os vãos de perplexidade que a vida abre de diante de nós. O certo é que há muito mais desvãos entre um vão e outro do que supõe a nossa vã percepção.
© Nota de canapé: Livro do poeta Morvan Ulhoa.
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