
23
ago/12
O rapaz mais triste do mundo ©
Não se chega impunemente aos trinta anos de trabalho. Mesmo conservando o riso solto, mesmo driblando a chatice com doses cavalares de bom humor, mesmo resistindo com graça a toneladas de fastio – ou talvez por tudo isso –, o tempo deixa visíveis seus estragos. E o mais visível dos estragos é o cansaço. É um cansaço entranhado e, ao que parece, imune a férias, abonos, folgas, licenças e, até, aposentadoria… Não quero falar do meu cansaço. Preciso falar é do cansaço que colhi no rosto do rapaz mais triste do mundo. Antes de prosseguir, tenho de ser minimamente preciso: nem meu vizinho de mesa (estávamos em um self-service) era tão rapaz, nem a tristeza era assim tão grande. Mas eu precisava de um título e esse calhou muito bem, inclusive porque casa com o exagero, tão meu conhecido. Volto ao rapaz mais triste do mundo. Estávamos à distância de uma mesa e de frente um pro outro. Nossos olhares se cruzaram com intensidade bastante para eu captar nesse intervalo mínimo todo o peso de um cansaço sem fim. Cansaço e tristeza, pra mim, andam juntos. Solidarizei-me. O que me chamou a atenção para esse rapaz foi o momento em que o garçom perguntou se ele ia tomar alguma coisa. A resposta foi simples: não. Em seguida a esse “não”, o rapaz passou a mão pelo rosto mostrando o mais absoluto dos cansaços. E por uns instantes ficou falando sozinho. Li o gesto como se aquele passar de mãos pelo rosto tivesse o poder de remover um pouco do cansaço. Não fossem os meus quilos de pendência – que desadministro com incompetência exemplar –, eu bem que me disporia a aliviar o fardo daquele rapaz mais triste do mundo. Para além do meu cansaço, que é grande, naquele momento eu só tinha olhos e solidariedade para o cansaço do meu vizinho de mesa e de vida. Um médico humanista que o visse prescreveria imediata aposentadoria compulsória. A mim só coube testemunhar o cansaço do rapaz mais triste do mundo. E guardar no bolso o meu próprio cansaço.
© Nota de canapé: Conto do escritor Caio Fernando Abreu (1948 – 1996). Está no livro Os dragões não conhecem o paraíso.
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