Viagem à roda do meu quarto ©
Categoria: Literatura

Há um ensinamento budista de que gosto particularmente: “Quem sabe contentar-se com o que tem, possui um tesouro nas mãos”. Costumo chamar de quarto próprio os 33m² (incompletos) que habito. No entanto, não leia no que digo qualquer sinal de desapreço. Eu adoro meu ninho, mas de fato ele é mesmo pequeno, sobretudo por causa dos tantos livros que boto nele. O espaço, em si, já é pequeno e, com os livros e demais bugigangas, mal sobra espaço pra mim. A cama divido com os livros; o sofá, idem; a escrivaninha, ibidem. Uma cadeira assumiu as funções de estante. E por aí vai. Dito isto, o título que escolhi para este post é mais do que impróprio. No meu quarto próprio sou um viajante imóvel – se me permite o oxímoro. Quando ando, o mais que faço é desviar-me de obstáculos. A vantagem de ter um espaço tão pequeno é que você pode (poderia, porque eu não faço nada) fazer tudo ao mesmo tempo: lavar roupa, cozinhar, ver TV, limpar o chão, arrumar a cama etc. Não sou do tipo organizado nem desorganizado – fico no meio do caminho. E no meio do caminho ficam, também, jornais que vou descartando, calçados, sacolas etc. Meu irmão, quando esteve por aqui, ficou aturdido. Não é que o quarto próprio estivesse bagunçado – a questão é que, mesmo se houvesse vontade, não haveria jeito de melhorar a organização. Fiquei contente. De certa forma cheguei ao requinte da desorganização perfeita – aquela em que não se pode mexer em nada, feito um daqueles jogos que, se retirada determinada peça, tudo desmorona. E um pouco disso acaba acontecendo a cada visita da minha querida diarista. Em dia de visita dela, volto para casa com o coração nas mãos. O último estrago foi o do apoio lateral do estrado da cama – que se despregou. Resultado: tive de dormir vários dias no chão e o colchão ficou sendo mais um obstáculo de que eu tinha de me desviar. O bom é que estou ficando especialista em desviar-me de obstáculos, indelicadezas e assemelhados. Na vida nada se perde.

© Nota de canapé: Livro de Xavier de Maistre, escritor do Séc. XVIII. Machado de Assis o cita na abertura das Memórias Póstumas de Brás Cubas.


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    Edna Freitass
    20 de agosto de 2012

    Essa conversa do VIAGEM À RODA DO MEU QUARTO transita entre Tarlei e Alter.rsrs Ora é um que aparece, ora é outro. O que sei é que esse quarto DE PEQUENO não tem nada!!!! Cabe até O ENORME coração do escriba Tarlei. Portanto, trata-se de um quarto “coração de mãe”.


    Tarlei
    20 de agosto de 2012

    Querida Edna,
    apesar dos exíguos 33m², tenho conseguido encontrar “espaço para o desenho da vida” (Cecília Meireles). É o que me basta.
    Abs,
    Tarlei






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