O livro dos nomes ©
Categoria: Literatura

Apesar do título escolhido para este post, meu desejo é falar do nome de alguns livros. Adoro nomes, diz Caetano na canção Língua. Eu também. Na canção Livros, Caetano diz que os livros são objetos transcendentes, mas que podemos amá-los do amor tátil. E também podemos amá-los do amor sonoro – acrescento eu. Os nomes dos livros escolhidos apontam para isso, porque são nomes que me capturaram pela sacada precisa do batismo ou pela estranheza da sonoridade – mais estes que aqueles, como se lerá.

Começo minha lista com o Guimarães Rosa de Sagarana e Tutaméia, livros que assinalam, respectivamente, sua estréia e seu último livro publicado em vida. Sigo com Evandro Affonso Ferreira e todos os livros dele anteriores à trilogia do desespero (que acaba de se fechar com o recém-lançado Os piores dias da minha vida foram todos): Grogotó, Erefuê, Araã, Catrâmbias e Zaratempô, sendo Grogotó o meu preferido, livro que marca a estréia de Evandro em livro. Passo adiante com Mário de Andrade e seu herói sem nenhum caráter, Macunaíma. Osman Lins comparece com seu Avalovara, nome que sugere um palíndromo nada gratuito quando se sabe que o livro está estruturado sobre uma forma palindrômica (existirá a palavra?). Adélia amada entra com a prosa de Filandras e a poesia de Miserere. Marilene Felinto traz As mulheres de Tijucopapo e O lago encantado de Grongonzo. Hilda Hilst, a obscena senhora de uma lucidez delirante, entra com Fluxo-floema. Marcos Bagno vem de Vaganau. João Antônio vem na companhia de seus heróis Malagueta, Perus e Bacanaço. Campos de Carvalho vem de longe com O púcaro búlgaro. Arthur da Távola tem lugar na lista com Mevitevendo – o jeito de grafar torna estranha uma construção normal da língua. Finalizo a lista dos nomes incomuns com Marcelo Paiva e seu Ua:Brari.

Agora é a vez da pequena lista dos livros batizados com uma bela sacada verbal. Em alguns nomes há, ainda, a graça do trocadilho. Pra começar, Leminski e seus La via en close e Anseios crípticos. Em frente com Mia Couto e seus Pensatempos (ainda inédito no Brasil). Torquato Neto e sua sina de menino infeliz vem com Os últimos dias de Paupéria, antologia organizada por Waly Salomão. Reinaldo Moraes não economiza na Pornopopéia. Marcos Bagno comparece de novo com Revereda, conto magistral que reescreve o final do Grande sertão: veredas. Francisco Bosco, uma inequívoca vocação de ensaísta, se faz presente com Banalogias. A poeta Angélica Freitas oferece um imperdível Rilke shake. Affonso Romano de Sant’Anna veste de poesia seus Textamentos. Ana Miranda desveste o mundo em Desmundo. Ana Elisa Ribeiro vem com sua Poesinha nada diminutiva. O grande Manoel de Barros encerra com sua Gramática expositiva do chão a minha pequena lista de nomes de livros.

© Nota de canapé: Excelente livro da escritora e professora Maria Esther Maciel. O livro esteve entre os finalistas do Prêmio Portugal Telecom, edição de 2009.

(0)


 




Tudo bem ©
Categoria: Música

Sou muito certinho, agradavelzinho, engraçadinho e, às vezes, provocantezinho. Escrevo bonitinho, corretinho, obedientezinho, coerentezinho, elegantezinho. Queria era poder sair para fora de todas as lógicas. Queria escrever algo feito para não ser entendido, embora sem abrir mão de algum sentido. Estou cansado da linearidade bem-comportada, sem sustos, sem surpresas… Ponho uma florzinha aqui e ali, mas o texto é previsível e vai no encadeamento lógico que se espera. Queria pôr nos olhos de quem me lê um desconcerto assustado: “Espera aí! Que é que esse cara tá dizendo?”. Mas não. Tudo segue em linha reta com mínimos espaços para uma ou outra curva inesperada. Queria o precipício, o buraco, o salto no escuro.

A escritora Nélida Piñon conta de uma crise que sofreu ao escrever em um texto a expressão “ladeira íngreme”. Incomodava-lhe a muleta verbal esculpida para ser lugar-comum. O uso da expressão revelava uma indigência imaginativa incompatível com quem queria se entregar a vôos criadores de alta envergadura. Nélida passou anos só fazendo exercícios de imaginação com o intuito de libertar o texto de quaisquer automatismos, sejam lógicos, ideológicos, sintáticos, semânticos, filosóficos, históricos etc. Nélida conseguiu imprimir à sua escrita uma altíssima voltagem criativa. Eu, dono de uma imaginação pedestre, apenas ensaio um bater de asas discreto que me mantém sempre no limiar do chão. Mesmo assim, faz bem rebelar-se contra uma limitação. É um jeito de dizer: sei onde estou e sei onde não posso chegar. E tudo bem!

© Nota de canapé: Canção do Lulu Santos.

(0)


 




© 2023 - ArteVida – A vida sem a arte é insustentável – Blog do Tarlei Martins - todos os direitos reservados
Design: V1 Digital - desenvolvido em WordPress